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Escritor Gabriel García Márquez morre aos 87 anos

Do UOL, em São Paulo*

17/04/2014 17h04Atualizada em 17/04/2014 22h22

O escritor colombiano Gabriel García Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1982, morreu nesta quinta-feira (17), aos 87 anos, em sua residência na Cidade do México. O autor de clássicos da literatura universal como "Cem Anos de Solidão", que enfrentou um câncer linfático em 1999, chegou a ser internado no mês passado com infecção pulmonar e a saúde bem debilitada. A causa oficial da morte ainda não foi divulgada.

Em sua página do Twitter, a jornalista e amiga Fernanda Familiar confirmou a morte do escritor: "Deixa de bater o coração de Gabriel García Márquez", escreveu ela na rede social. Um dos primeiros a repercutir a perda foi o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, que decretou luto. "Mil anos de solidão e tristeza pela morte do maior colombiano de todos os tempos", disse o representante do país.  

Considerado o escritor de língua espanhola mais popular desde Miguel de Cervantes, no século 17, García Márquez alcançou celebridade literária que gerou comparações com clássicos das letras universais como Mark Twain e Charles Dickens. Suas obras ficcionais extravagantes e melancólicas --entre elas "Crônica de uma Morte Anunciada", "O Amor nos Tempos do Cólera" e "Outono do Patriarca"-- superaram em vendas qualquer outra publicação em língua espanhola, com exceção da Bíblia.

Cem Anos de Solidão - Divulgação - Divulgação
Capa da edição brasileira mais recente de "Cem Anos de Solidão"
Imagem: Divulgação

O romance épico "Cem Anos de Solidão" vendeu mais de 50 milhões de cópias em mais de 25 idiomas. Publicado em 1967, é um dos exemplos principais do chamado realismo fantástico e marcou um boom da literatura latino americana que durou duas décadas. A obra narra a saga de gerações da família Buendí e foi "o primeiro romance em que os latino-americanos se reconheceram, que os definiu, que celebrou sua paixão, sua intensidade, sua espiritualidade e superstição, sua grande propensão ao fracasso", disse o biógrafo Gerald Martin à agência Associated Press.

Ao receber o Nobel, em 1982, García Márquez descreveu a América Latina como uma "fonte de criatividade insaciável, cheia de tristeza e beleza, do qual este errante e nostálgico colombiano não é mais que uma fração, destacada pelo destino. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todas as criaturas daquela realidade desenfreada, deixaram pouco a extrair da imaginação, porque nosso problema crucial tem sido a falta de meios convencionais para tornar nossa vida verossímil".
 

Biografia
Gabo, como era carinhosamente chamado, nasceu no dia 6 de março de 1927, em Aracataca, na Colômbia. Criado pelos pais de sua mãe, cresceu ouvindo as histórias de seu avô, Nicolas Márquez, veterano da Guerra Civil colombiana, enquanto sua avó, Tranquilina Iguarán, costumava lhe contar lendas que misturavam fantasia e realidade. Essas narrativas foram fundamentais para que mais tarde o garoto se tornasse escritor.

As histórias de seus avós se tornariam também material para a ficção de García Márquez, e Aracataca inspirou Macondo, a vila cercada por plantações de banana no pé das montanhas da Sierra Nevada, onde "Cem Anos de Solidão" se passa. "Minha família me contou muitas vezes que comecei a recontar histórias e coisas assim quase desde que nasci", contou García Márquez em uma entrevista. "Desde que comecei a falar".

García Márquez  foi enviado a um internato estatal na região de Bogotá, onde se tornou um estudante exemplar e leitor voraz, com preferência por Hemingway, Faulkner, Dostoiévski e Kafka. Ele publicou sua primeira obra de ficção, como estudante, em 1947, enviando um conto ao jornal "El Espectador" depois que seu editor literário escreveu que "a geração mais jovem da Colômbia não tem mais nada a oferecer em termos de boa literatura".

Na juventude, começou a faculdade de direito, após pressão do pai, na Universidade Nacional, em Bogotá, mas logo abandonou o curso e rumou para o jornalismo. Tornou-se um dos primeiro críticos de cinema da Colômbia e passou a ter uma importante influência na cena cultural do país. Na profissão, trabalhou em países como Venezuela, Cuba e Estados Unidos, o que ajudou a forjar a sua consciência esquerdista – por conta dela, viria a ter frequentes conflitos com um outro Nobel, o peruano Mario Vargas Llosa.

Enquanto atuava em jornais, esboçou os seus primeiros contos e uma extensa reportagem sobre o sobrevivente de um naufrágio na costa colombiana resultou no livro “Relato de um Náufrago”, hoje tido como um exemplo de bom jornalismo literário. Ao lado de escritores incluindo Norman Mailer e Tom Wolfe, García Márquez também foi um pioneiro da narrativa de não-ficção que se tornaria conhecida como New Journalism ou Novo Jornalismo.

García Márquez sofreu uma forte represália oficial à sua história sobre como a corrupção do governo contribuiu para o desastre narrado em "Relato de um Náufrago". A ditadura tomou o poder e García Márquez se transferiu para a Europa. Depois de visitar a parte oriental controlada pelos soviéticos, mudou-se para Roma em 1955 para estudar cinema, uma paixão que manteve por toda a vida. Em seguida, mudou-se para Paris, onde viveu entre os intelectuais e artistas exilados de muitas ditaduras latino-americanas da época.

García Márquez e sua mulher - Reprodução - Reprodução
1969 - Gabriel García Márquez e sua mulher, Mercedes Bacha García, em Barcelona. Os dois se casaram em 1958 e tiveram dois filhos, Ricardo e Gonzalo
Imagem: Reprodução

Ele voltou à Colômbia em 1958 para casar-se com Mercedes Barcha, sua vizinha de infância, com quem teve os filhos, Rodrigo, que é diretor de cinema, e Gonzalo, designer gráfico. Em 1960, muda-se para o México e intensifica sua produção artística. Em 1961, lança “Ninguém Escreve ao Coronel” e, em 1962, “O Veneno da Madrugada”, que lhe renderia, na Colômbia, o Prêmio Esso de Romance. “Cem Anos de Solidão” chegaria em 1967 para consagrá-lo como grande romancista.

Sua obra-prima faz com que seus lançamentos passem a ser tomados por grande expectativa e coloca a América Latina e o Realismo Fantástico no centro do cenário literário mundial. Conseguiu ainda emplacar outros grandes sucessos, como “Crônica de Uma Morte Anunciada”, de 1981, “O Amor nos Tempos de Cólera”, de 1985, e “Notícias de um Sequestro”, de 1996. Seu último romance, “Memórias de Minhas Putas Tristes”, foi publicado em 2004.

Pobre e esfarrapado durante grande parte de sua vida adulta, García Márquez foi transformado por sua fama e riqueza tardias. Um "bon vivant" com personalidade travessa, o escritor era um anfitrião gracioso, que contava histórias longas, com animação, para os hóspedes. Ferozmente protetor de sua imagem, uma característica compartilhada por sua esposa, ele ocasionalmente se rendia a um temperamento explosivo quando se sentia menosprezado ou deturpado pela imprensa.

O autor, com suas sobrancelhas grisalhas e espessas e seu bigode branco, passou mais tempo na Colômbia em seus últimos anos, fundando seu instituto de jornalismo na cidade portuária de Cartagena, onde mantinha uma casa. Em 1998, já em seus 70 anos, García Márquez realizou um sonho, ao usar o dinheiro de seu Nobel para se tornar acionista majoritário da revista colombiana "Cambio". Antes de adoecer com câncer linfático em junho de 1999, o autor contribuiu prodigiosamente para a revista. "Eu sou um jornalista. Sempre fui um jornalista", disse à AP na época. "Meus livros não poderiam ter sido escritos se eu não fosse jornalista, porque todo o material foi retirado da realidade".

O homem político
Como muitos escritores latino-americanos, García Márquez transcendeu o mundo das letras. Desde cedo, Gabo tornou-se um herói para a esquerda latino-americana, aliando-se cedo ao líder revolucionário cubano Fidel Castro e criticando as intervenções violentas de Washington, do Vietnã ao Chile. Seus textos perfilaram o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, além de retratarem como traficantes de cocaína liderados por Pablo Escobar abalaram o tecido social e moral de sua Colômbia natal, sequestrando membros da elite, tema de "Notícias de um Sequestro".

A escrita de García Márquez foi constantemente informada por seus pontos de vista esquerdistas, forjados em grande parte por um massacre de militares a trabalhadores bananeiros em greve contra a United Fruit Company (mais tarde, Chiquita) em 1928, perto de Aracataca. Ele também foi muito influenciado pelo assassinato, 20 anos mais tarde, de Jorge Eliécer Gaitán, candidato presidencial esquerdista em ascensão.

García Márquez com Fidel Castro - Reprodução - Reprodução
1980 - Gabriel García Márquez posa com Fidel Castro. O escritor e o líder cubano estabeleceram uma grande amizade
Imagem: Reprodução

Apesar de os Estados Unidos terem negado visto de entrada ao escritor seguidas vezes por conta de suas posições políticas, ele foi cortejado por presidentes e reis e contava Bill Clinton e François Mitterrand entre seus amigos. García Márquez criticou o que considerava uma perseguição política injusta de Clinton por suas aventuras sexuais. O próprio Clinton lembrou em uma entrevista à AP em 2007 de ter lido "Cem Anos de Solidão" quando estava na faculdade de direito e não ter sido capaz de entendê-lo, nem mesmo nas aulas. "Eu percebi que este homem havia imaginado algo que parecia uma fantasia, mas era profundamente verdadeiro e  profundamente sábio", disse o ex-presidente dos EUA.

Ao longo da vida, García Márquez recusou ofertas de postos diplomáticos e tentativas de o lançar à presidência da Colômbia, embora tenha se envolvido nos bastidores das negociações de paz entre o governo da Colômbia e os rebeldes de esquerda.

Os últimos anos
Os últimos anos de vida de Gabo foram marcados por relatos sobre problemas de memória , que não foram confirmados oficialmente. As aparições públicas de García Márquez também foram mais escassas, apesar de ele continuar a socializar com amigos.

Em março deste ano, quando fez 87 anos, o escritor foi homenageado diante da imprensa por amigos e simpatizantes, que lhe deram bolo e flores do lado de fora de sua casa, em um bairro de elite na Cidade do México. Na ocasião, o autor mostrou-se sorridente, recebeu presentes e tirou fotos, mas não falou com os jornalistas. Nos últimos anos, restringiu ao máximo suas aparições em público e declarações por motivos de saúde.

* Colaborou Rodrigo Cesarini e agências de notícias